Conheço o meu amigo Domingos Freire Cardoso desde os inícios dos anos finais dos anos 50 quando o então Liceu Nacional de Aveiro era o ponto de encontro das nossas esperanças de adolescentes. Desde essa época que lhe ficou o jeito de lutar contra o sossego com que tantas vezes nos escondemos do cinzento amargo das nossas vidas.
Engenheiro de formação e professor de profissão, transformou-se a pouco e pouco num trabalhador de palavras com as quais procura redescobrir a seiva da terra da sua infância.
Do seu livro
"O Terceiro Vértice",
que publicou e editou em 2003,
escolhi três poemas:
Voltar atrás?...
Ao olhar para mim não me revejo
No petiz que eu fui, jovem que sonhou,
Parecendo que a fé já se esfumou
Na tortuosa estrada em que mourejo.
Em adulto perdi todo o ensejo
De fazer o que sempre me animou
E a vida tão sonhada se mudou
De grande sinfonia em fraco harpejo.
No tremor alquebrado dos joelhos
Sinto que foram vãos esses conselhos
Que tanto me previram este fim.
Tentar voltar atrás de nada vale
Por não haver regresso que me cale
A saudade que sofro já por mim!
Estrada
Olhando as minhas mãos, assim despidas,
Tão vazias de anéis e compromissos,
Tão desnudas de feitos e feitiços
Penso que as intenções foram perdidas.
Descubro em minhas rugas esculpidas
As marcas dos propósitos postiços
E, nos olhos, de brilhos já mortiços,
A dor de renovadas despedidas.
A dor de renovadas despedidas.
Tive amor no meu peito e não o quis,
Senti um sonho à mão e nada fiz
Por julgar que este mundo era ilusão.
Tendo de meu tão pouco ou quase nada
Vejo, no fim da estreita e erma estrada,
Sorrindo, à minha espera, a solidão.
Sabedoria
(dedicado à minha Mãe)
(dedicado à minha Mãe)
Sabia
espalhar o estrume,
cavar a terra,
lançar a semente.
Regava o milho,
colhia a espiga,
armazenava o grão.
Mas não sabia... quem foi D. Dinis.
Sabia
apanhar a erva,
ordenhar as vacas,
salgar o porco.
Peneirava a farinha,
tendia a massa,
cozia o pão.
Mas não conhecia... a padeira de Aljubarrota.
Sabia
caiar a casa,varrer o chão,
pontear a roupa.
Punha flores na jarra,
pregava um botão,
vestia-se lavada.
Mas não sabia... escrever a palavra Mulher.
Sabia
preparar um remédio,
esconder uma angústia,
rezar uma oração.
Penteava os filhos,
aconchegava-lhes a cama,
não comia para lhes dar.
Mas não sabia... ler a palavra Mãe.
1 comentário:
Vou vendo e lendo este blogue aos pouquinhos. E hoje aterrei em Janeiro de 2008. Este poema é de uma simplicidade... e é lindíssimo.
Posso também mencioná-lo no meu blogue?
Enviar um comentário